sexta-feira, 8 de novembro de 2024

 Como se cada um desses 9 anos me ferisse a memória, o luto dá as caras sendo essa experiência intensa, pontiaguda e cortante (navalha poética ferindo a carne crua). Hoje consigo olhar para meu estar no mundo com mais higiene emocional. Eu te disse que eu não gostava mais de sofrer né? Chega de dar tanto significado para a melancolia. Eu não a odeio, mas ela não decora mais a minha sala de estar. Eu acho que eu quero falar tudo para conseguir não falar mais, pq eu só sei gastar esse sentir pelo ressentimento. E eu não sou ressentida...

Não, não diga. Eu sei, mas não diga. 

A navalha fez um corte, que hoje, quando eu olho para essa ferida narcísica eu vejo na hora o sangue talhando. Formando aquela carne vermelha que não tem consistência específica mas você entende perfeitamente o que eu estou dizendo. É, quando a gente pensa e olha, a gente vê. Eu gastei meus olhos em você, falei de tudo que era lindo que eu via, até investia em te ajudar a olhar com menos desgosto para aquela pinta que tinha um único pelo esquisito. Ah, as esquisitices, lembra que eu nunca ri delas de um jeito que não fosse gostoso? Eu ria do esquisito que você também ria ao me apresentar, e não me atrevia a querer ver o esquisito que você esconde. Afinal, a gente não se apropria da narrativa de vida do outro, ainda mais para machucar, não é? Eu sei, mas não diga. 

Você foi a pessoa que ouviu de perto o barulho do meu coração, que teve acesso a minhas tripas e me viu no momento de maior potência da minha vida. Olha o meu tamanho, não da para separar uma coisa que só é grande porque é isso tudo junto.  Você enfiou esses seus dedos lindos no meu peito! Claro que eu não estava de armadura, porque estaria? E, para me sentir (ou por me sentir demais) você rasgou meu peito e rasgou cada costura que eu levei anos para remendar. Como é a textura do sangue talhado dentro do peito com coração ferido? 

Não, não diga. Eu sei, mas não diga. É claro que eu sei que você não queria, e é por isso que eu fui embora. Imagina se quisesse. E naquela quinta-feira você me falou, olhando nos meus olhos, que você quis. Fez ou não? Não importa. Você quis e peito aberto não sustenta com vitalidade esse querer. 

Jogador que ganha sem querer ganhar não saboreia a vitória. 

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(Don't Speak - No Doubt)





quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

 Não sei se começo dizendo que é muito bom estar de volta porque eu já não sou a mesma. 

Tanta coisa mudou e no meio de tudo que já não é o mesmo, no que mais tenho me esforçado para acolher é aquilo que eu nunca deixei de ser.

Janelas, mobílias e vidas outras. Questionamentos, dúvidas e desejos de sempre.

Me sinto numa espécie de redenção pessoal, os pés que por anos cuidei com hidratante de baunilha hoje sustentam calcanhares trincados e molhados, a água no fundo do poço não hidrata como parecia. 

Eu olho para cima e vejo a luz do dia e um céu azul que desacostumei a apreciar. Tenho toda uma parafernália ao meu redor, uns quadros, álbuns de memórias, algum dinheiro e escuridão. 

Aos 25 anos a tristeza tinha uma espécie de sedução que hoje, aos 30, eu vejo como placas sinalizadoras que de tão brilhantes, me impediram de ver o aviso de perigo. Eu nunca gostei de ser triste, mas a melancolia estava em tudo (e ainda tem um pouco dela aqui), mas hoje eu não quero sentir tristeza, quero me apossar da raiva, que, ela sim, pode me dar forças para escalar fundo-do-poço acima. Apesar de alguma tristeza, existe uma felicidade ímpar e saudosa de estar de novo escrevendo aqui.

Eu olho para cima e a água que molha meus pés me faz me sentir ordinária. Como eu pude descer tanto? Como eu pude achar que o fundo tinha algum limite? Aqui onde me encontro, preciso ser realista, nada nem ninguém me puxará, serão as minhas pernas que haverão de escalar até o topo novamente. A habilidade de olhar para cima e acreditar que o azul do céu pode acalorar a existência me refresca o olhar, me lembrando que nunca fui ordinária apenas.

E    X    T    R    A!



(Playlist: Los Hermanos - Adeus Você) 


Cuida do teu
Pra que ninguém te jogue no chão
Procure dividir-se em alguém
Procure-me em qualquer confusão
Levanta e te sustenta
E não pensa que eu fui por não te amar...