domingo, 20 de maio de 2012

Memorial escolar


 

Taubaté, 18 de Maio de 2012.

   Engraçado falar de memórias. Sinto-me como um ser estranho, assim como a grande maioria. Mas essa estranheza não é linear, é contínua. Fico transitando em minhas vivências sentindo novamente (e com impacto) todas as emoções que vivi ao resgatar lembranças do meu processo de alfabetização.
    Sei da origem em meados de 1992, quando eu tinha apenas 1 ano de idade e já montava e desmontava um quebra-cabeças infantil de todas as formas possíveis, inclusive virado de cabeça para baixo. Meus pais dizem que até meu avô materno – de quem infelizmente não tenho recordações – adorava me bajular e mostrar aos colegas de truco como a netinha era inteligente. Todo o carinho que eu recebia apenas me estimulou a trabalhar meu potencial. No aniversário seguinte o presente havia sido um jogo de mesa de plástico, muita sulfite e giz de cera. Os desenhos, sempre espalhados pelas paredes da edícula, eram quase troféus para a família ainda pequena. Do jardim de infância me lembro de muito pouco, apenas de um escorregador em formato de castelo, das mesinhas pequenas, da altura da grade que separava-nos do primário e de um dia em que vomitei todo o lanche no estojo de madeira. Consigo lembrar claramente da primeira série. Meus pais orgulhosos por a filha mais velha (Letícia havia nascido dois anos antes) ter passado na provinha que a dava direito a uma vaga no colégio municipal. Lembro-me até hoje da textura do shorts, de poliéster azul marinho, arranhando meus joelhos, quase sempre esfolados. Na terceira série eu já escrevia bem, já lia alguns gibis e adorava inventar estórias. Sempre admirei a grafia muito bonita da professora Renata, as palavras sempre bastante redondas pareciam sorridentes. Ela tinha o que chamamos de ‘personalidade forte’. Franzia o cenho com tanta força que o espaço que ficava entre suas sobrancelhas era quase nenhum. Eu a admirava, achava bonita e gostava da maneira como parecia sempre forte. Não consigo me lembrar de amigos, lembro-me de emprestar lápis, cola gliter, caneta gel, mas de ter amigos não... Dos amigos eu não me lembro. Hoje consigo associar tamanha admiração pela professora com o desejo que sempre tive de me defender, ou melhor, de agredir como defesa (mais ou menos o que fiz por volta dos 15 anos). As crianças eram terríveis, quase sádicas. Arrisco dizer que essa maldade é intrínseca em toda criança e que só vai se retraindo com seu desenvolvimento cognitivo e social.
     Ainda na oitava série as coisas não eram muito diferentes. A princípio chega a ser estranho, mas me lembro de tão pouco que pareço ter passado por um ‘esquecimento’, como se um ano letivo se resumisse em apenas 2 ou 3 eventos em minha memória. O hábito da leitura sempre foi muito frequente em toda minha vida. Sempre tive contato direto com livros e muitos estímulos por parte de meu pai, que além de participar ativamente de minha rotina escolar, resolveu um dia ir com a minha classe a uma excursão ao zoológico de São Paulo. Lembro-me bem pouco desse dia, mas tudo que consigo recordar me traz uma sensação de bem-estar gigantesca. Lembro-me dos colegas de sala, até então muito maldosos comigo, achando o máximo meu pai resolver acompanhar a excursão. Faziam milhares de perguntas sobre a imensa máquina fotográfica que ele carregava no pescoço e até se ofereciam para tomar lanche comigo. Após me formar no ensino fundamental, fui para escola estadual cursar o ensino médio. Na escola Amácio Mazzaropi fiz dois amigos para a vida inteira, Michele e Diego. Um dia, realizando um exercício em sala de aula eles demonstraram bastante gosto por uma redação que eu havia feito, e me estimularam a escrever mais. O hábito da leitura sempre frequente facilitava em muito a prática da escrita, com a qual eu estava começando a me familiarizar. Cada pedaço de papel era um novo começo, todos (até hoje) sem nenhum final. No ano de 2009 resolvi criar um blog e deixar tudo que era meu, de minha autoria e indignação, tudo vomitado e registrado em algum lugar. Com a escassez dos estímulos de meu pai e amigos, comecei a escrever para receber comentários de internautas perdidos que por algum motivo acabavam passando por meu blog e lendo minhas linhas.
     Sonho em escrever um livro. Ainda não coloquei tal sonho como objetivo (vejo muita diferença entre o conceito dos dois) porque até hoje não consigo dar fim algum para minhas estórias. Até minha história eu imagino sem fim. Pretendo ir desabafando, idealizando, sorrindo com palavras e disparando contra sentidos até que eu possa, com a ainda viva prática da leitura, armar um arsenal de ‘felizes para sempre’ e finalizar tudo aquilo que um dia eu comecei.  

Lenina Disnei.

terça-feira, 15 de maio de 2012

     Eu não espero que você seja o-grande-amor-da-minha-vida, parei de acreditar nisso… Não quero que você me faça chorar. Não quero que você seja um motivo ruim na minha vida. Você é motivo de sorrisos, razão pra eu acordar num dia de chuva e tomar banho e mudar de roupa porque eu sei que você vai passar aqui… Não quero te odiar. Não quero falar mal de você pros outros. Pras minhas amigas. Quero falar mal de você como quem ama. "Pois é, ele nunca lembra de desligar o celular antes de dormir e sempre alguém do trabalho liga." Sabe, eu quero dizer isso. Que o máximo de irritação que você me provoca é me acordar de manhã cedo falando bobagens que parecem ser importantes no celular. Não quero que você me largue. Não quero te largar. Não quero ter motivos pra ir embora, pra te deixar falando sozinho, pra bater o telefone na sua cara. E eu não tenho medo que isso aconteça (eu nunca tenho), eu fiz isso com todos os outros. É só que dessa vez eu queria muito que fosse diferente. Dessa vez, com você, eu queria que desse certo. Que eu não te largasse no altar. Que eu não te visse com outra. Que eu não tivesse raiva. Que você não passasse a comer de boca aberta. Que você entendesse o meu problema com colchões sem lençol para s e m p r e. Que você gostasse e cuidasse de mim como disse ontem à noite que cuidará. Eu quero que dê certo, não estraga, por favor. Não estraga não estraga não estraga. Eu também vou tentar não estragar. Posso pôr um post-it na sua carteira? Mesmo que a gente não fique juntos pra sempre. Mesmo que acabe semana que vem. Nunca destrua o meu carinho por você. Nunca esfrie o calorzinho que aparece dentro de mim quando você liga, sorri ou aparece… Mesmo que você apareça na porta de outras mulheres depois de me deixar. Me deixe um dia, se quiser. Mas me deixe te amando. É só o que eu peço.

[Playlist: My Girl - Tiago Iorc] ♥


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quinta-feira, 10 de maio de 2012

loja de conveniência.

    Me esfolou toda com aquela barba serrada. Eu ouvia o barulho dos pelos arranhando minha pele enquanto ele lambia todo o meu rosto e apertava meus excessos, dizendo querer morder toda aquela carne. Aquela boca além de linda era deliciosa, a língua me invadia tímida, mas em instantes estava percorrendo todo o céu da minha boca. Eu segurava firme naqueles cabelos grisalhos, enquanto minhas mãos se perdiam na extensão daquele corpo branco, quente, tentador. Não sabia que horas eram mas sabia que era hora de ir. Os minutos conspiravam a favor, rastejando sob a linha do tempo e me permitindo beber mais daquela saliva, permitindo que eu pudesse lambuzar meus dedos naquela intimidade latejante e vir embora com o cheiro daquele homem nas mãos. E o rastro de sua fome em meu pescoço...


[Playlist: Glory Box - Portishead]

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quarta-feira, 2 de maio de 2012







      Na cama, à noite, enquanto penso em meus muitos pecados e em meus defeitos exagerados, fico tão confusa pela quantidade de coisas que tenho que analisar que não sei se rio ou se choro, dependendo do meu humor. Depois durmo com a sensação estranha de que quero ser diferente do que sou, ou de que sou diferente do que quero ser, ou talvez de me comportar diferente do que sou ou do que quero ser. Minha nossa, agora estou confundindo você também. 



 


[Playlist: Rihanna - Man Down]

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Justo a mim me coube ser eu.

     

     Toda vez que minha avó paterna me dizia, que o molde em que fui feita fora quebrado quando nasci, eu achava que ela estava me elogiando. Acreditava que somente eu era "única" no mundo. Aos poucos fui percebendo meu engano. Primeiro, porque ao invés de me tornar diferente, ser uma criatura única é o que me igualava a todos os seres humanos. Entendi que é parte da nossa condição humana sermos indivíduos exclusivos. Dela ninguém escapa. Em segundo lugar, porque essa exclusividade, ganha com meu nascimento, não me foi dada assim de mão beijada. Nem veio pronta, nem tinha um manual. Ela se parece com aquelas massinhas de modelar, que quando a gente ganha, ganha só a massa, não a forma, e o resultado final é sempre o fruto de um longo processo de faz e desfaz.
     Cedo percebi que jamais teria sossego e muito trabalho. Típico presente de grego, uma armadilha. Encontrei eco para o meu espanto nas palavras da Mafalda, a famosa personagem de Quino, o cartunista argentino, quando ela diz : "Justo a mim me coube ser eu!" Ser quem só a gente mesmo pode ser, é quase uma desolação. Quem eu sou e deverei ser? Minha individualidade é um mistério.
Quantas vezes eu não preferi ser outra! Se não, pelo menos duvidei se não seria melhor ter nascido em outra família, em outra época, com outra situação financeira, outra cara, outro corpo, outro temperamento... Ainda mais, porque, aparentemente, sempre soube resolver a vida dos outros muito melhor do que a minha própria.
     Para ser sincera, quando penso que o meu "eu" está em aberto, o que sinto mesmo é um grande alívio. Se eu tivesse nascido pronta, não teria conserto. E se não houvesse remédio para os meus erros e uma chance para os meus fracassos? E se eu não pudesse mudar de ponto de vista, de gosto, de planos, de opinião? E se eu não tivesse escolhas, nem alternativas?
    Mas também vejo um lado sombrio em ser um projeto em aberto, o de nunca ter certeza, sobretudo de antemão, de ter tomado a atitude certa, de ter feito a escolha mais apropriada – aquela em que não me traio. Quando percebo que um gesto qualquer vai afetar o meu destino, sinto medo, angustia, suo frio, tenho vertigens, adoeço. Aí, a tentação de pegar carona na escolha dos outros, ou no estilo de vida deles é grande, mas minha alma grita que não vai dar certo, e me lembra que o meu molde foi quebrado, que é exclusivo.
     Levei muito tempo para entender que minha exclusividade não está simplesmente em mim, ou na minha cor de olhos, nem nos meus talentos mais especiais. Ela está sempre lançada adiante de mim como um desafio, como um destino a que tenho que chegar e uma história a ser vivida. Minha exclusividade – eu mesma – apenas virá, quando eu puder afirmar que a história que vim realizando, só eu, e ninguém mais, a poderia ter vivido.
     É a isso que a personagem Amparo, no filme de Almodóvar "Tudo sobre minha mãe", se refere, quando afirma que ela é tanto mais autêntica, quanto mais perto estiver daquilo que projetou para si mesma. Fala com orgulho e alegria, revelando assim, que desvendou o mistério que envolve o problema de ser quem somos: autenticar nossa biografia. Avalizá-la.
Onde estou, senão no rastro de história que venho deixando atrás de mim, naquilo que vim fazendo e dizendo? Onde estou, senão nessa biografia que realizo e atualizo a cada instante, por meio das minhas decisões e do meu empenho?
     Hoje não importa mais se sou diferente dos outros, mas se faço alguma diferença neste mundo.
Dulce Critelli.


[Playlist: Put Your Records On - Corinne Bailey Rae ♪]